Capítulo 1 - "Um minuto para meia-noite"



Uma peça, uma única peça era o que faltava para Melinda descobrir o que, de fato, havia acontecido aos seus pais. No exato momento da morte deles, o relógio parou. Ou assim ela acreditava.

Escondendo três punhais e uma linha de punho, ela fora treinada para matar a todos que se colocassem em seu caminho, todos que atrapalhassem, ofendessem, contrariassem ou, simplesmente, a desagradassem. Melinda tinha sede de sangue e não sabia direito o porquê.

Talvez seu tutor devesse tê-la explicado que contrariedades nem sempre era obstáculos e que algumas pessoas comiam carne. Talvez, se o tivesse feito, Melinda não tivesse tantos problemas ao longo de seu primeiro ano de busca. Talvez, sequer tivesse sido presa.

— Ele matou aquele animal — disse, calmamente, ao homem parado à sua frente, o qual ela juraria que acreditava poder decidir o destino.

— Eu comprei aquela ovelha. É minha e eu posso matar, despelar, assar ou queimar o quanto quiser — respondeu o outro.

— Quem disse? – Ela perguntou, encarando-o com seus olhos negros e ameaçadores.

— Ora, a lei, o Rei... Como assim quem disse? A senhorita deve ser louca!

Dois homens seguravam Melinda que, a bem da verdade, não havia sequer tentando se desvencilhar.

— Não há lei que permita matar seres vivos. Não somos a Deusa para decidir o que deve ou não viver. Se Ela pôs a ovelha neste mundo, só a Ela pertence o direito de matar a ovelha.

— Blasfêmia! — Falou o rapaz. Virando-se para o juiz, continuou: — Meu senhor, esta senhorita está blasfemando contra o Senhor! Fala de uma tal Deusa como se ela fosse Deus! Quem diabos é a Deusa? — Perguntou retoricamente, franzindo a testa e dando por certa a sua vitória.

Melinda, todavia, não respondeu. Com um movimento único, desamarrou a linha do pulso e decepou o garoto. Antes que seus captores reagissem, derrubou-os com golpes certeiros na cabeça.

O juiz, parado à sua frente de olhos arregalados, disse:

— Você os matou? Aos três? 
Melinda maneou a cabeça.
— Eu devia mandar prendê-la.

— Se esta é a lei que o senhor obedece, sim, deveria. Mas entre o que o senhor manda e o que eu faço existe a Deusa. E Ela diz que devo seguir meu caminho.

Virou e saiu da casa de julgamentos, caminhando lentamente pelas ruas enlameadas.

O cheiro a nauseava. Na casa onde nasceu, flores e chuva compunham o aroma mais puro já criado pela natureza. Não havia comida, podridão ou fogões. Tudo era consumido cru. Às vezes, muitas vezes, a Deusa não lhes provia alimentos. Frutas não caíam das árvores, animais não morriam. Nestes dias, ela e o tutor oravam.

Conhecendo todos os ensinamentos, aprendera a montar autômatos, os quais usava para espantar espíritos malignos. Um destes ela levava escondido no pequeno ajuste de suas saias. Dentro, um papel com a profecia a cumprir: As estrelas do Norte devem guiá-la para o Sul, onde quatro luas escondem a verdade.

Toda noite, Melinda desarmava o aparato e relia aquilo que a preocupava desde que aprendera a ler. Onde acharia quatro luas?

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