Carta de Achamento de Pero Vaz de Caminha
A história da Literatura Brasileira tem início com a Carta de Achamento de Pero Vaz de Caminha (1450 - 1500), um português de origem burguesa nascido no Porto, que foi escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral.
O período conhecido por Quinhentismo (1500 - 1601) seguiu com os padrões medievais literário e mistura dos padrões renascentistas dos colonizadores. Servindo, em regra, aos propósitos da Companhia de Jesus, era comum a sobreposição da intenção doutrinária e pedagógica sobre a estética propriamente dita.
O documento de Pero Vaz de Caminha, com 27 folhas, foi mencionado em 1773 pelo guarda-mor da Torre do Tombo, José Seabra da Silva, mas somente foi revelado em sua integralidade por Manual Aires do Casal em 1817. A íntegra do texto está disponível no site da Biblioteca Nacional (http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/carta.pdf).
A despeito de cumprir ao objetivo de narrar detalhes das descobertas, tal qual um diário de bordo, não são raros os momentos de euforia com a descoberta, o que confere claro teor literário. Ao leitor interessado, parece que o narrador isento não pôde ocultar o ficcionista em sua vivacidade, narrativa de pormenores, paixão pelo novo povo descoberto - prenunciando até mesmo o bom selvagem de Rousseau -, as primeiras linhas do mito ufanista e outros aspectos.
Alguns trechos que merecem destaque:
"Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz. Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças; e ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças — ancoragem limpa. Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos. Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro."
"A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metemnos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber. Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar."
"Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se não entendia nem ouvia ninguém."
"Acabado o comer, metemo-nos todos no batel e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço, e, porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pequena de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima. E vinha tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí. Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta. Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem, o beberão de boa vontade. Andavam todos tão dispostos, tão bem-feitos e galantes com suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui boa vontade, e levavam-na aos batéis. Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles."
A leitura do documento é bem simples - este da Biblioteca Nacional, eis que o original traz muito da linguagem arcaica.
