Diário da Lis
As pesquisas e as coincidências são os meus maiores argumentos. Já falei isso algumas vezes aqui e ali.
Ultimamente, estou escrevendo O conde da ilha Brock.
O protagonista é um conde, como se pode imaginar pelo título, que nasceu com uma deficiência visual severa. Filho de um cretino violento, é enviado para longe pela mãe.
— Summer? — a condessa cochichou, abrindo uma porta de ligação suavemente. — Tome este dinheiro. Leve-o para longe. Rápido!
A ama arregalou os olhos, confusa. Lady O´Heart entrou no cômodo, visivelmente agitada.
— Vamos, Summer, ande logo. Leve-o, leve-o.
A mulher estava nervosa, andando de um lado para o outro do grande cômodo.
— Mas, senhora, não entendo...
— Krim... Ele-ele descobriu sobre Sebastian e... — A condessa engoliu em seco. — Leve-o. Vamos!
— Mas, minha senhora, eu não posso... O conde...
— Há um barco esperando na encosta. Eu-eu pedi a Winter e ele foi até lá contratar a viagem. Ele os levará para longe. Vá, Summer, leve Sebastian... Proteja o meu filho, por tudo que lhe é mais precioso. — Lágrimas embargaram sua voz; os belos olhos de safira estão vidrados.
A condessa corria pelo quarto juntando poucas roupas em uma bolsa de lona. A ama ainda tentava entender o que havia acontecido quando a passagem da cozinha foi aberta e um jovem menino de cerca de 10 anos surgiu com um amarrado de comida.
— Eu vou com ela, milady. Não posso deixar a minha irmã.
Lady O´Heart demorou um tempo para entender do que ele falava, até que balançou a cabeça concordando.
— Claro, Winter, claro. Acho que os dois juntos protegerão meu filho desse monstro."
O que poucas pessoas sabem é que, às vezes, eu me pego pensando se os meus personagens realmente existiram e perambulam no meu entorno contando suas histórias. Quando pensei em Sebastian O´Heart, eu ainda não tinha estudado sobre a forma de tratamento e ensino dos cegos. Mas o conde cochichava: eu sei ler e escrever no meu ouvido ao longo de todo o processo criativo. Sendo assim, lá fui eu pesquisar sobre Braille.
Louis Braille nasceu em 1809 e faleceu em 1852. Sendo, ele mesmo, cego, inventou um sistema de leitura e escrita para uso por deficientes visuais e cegos, praticamente inalterado até hoje, inspirado na criptografia militar de Charles Barbier (1767 – 1841). Este, por sua vez, foi o criador da Ecriture Nocturne, sistema no qual um código de dois dígitos representa uma letra. Não era uma simples codificação e exigia que o sujeito codificasse a grafia padrão em uma versão quase fonética.
Em 1821, uma demonstração do método interessou ao jovem Braille, que facilitou o processo.
O trabalho de Braille foi apresentado pela primeira vez em 1824.
Sebastian nasceu em 1793, bem antes do trabalho de Braille começar a ser divulgado. Mas a minha história se passa em 1827.
Como, então, deixar de ouvir o sussurro do conde?
Lis, eu sei ler e escrever - ele me disse.
E eu acreditei.
